sábado, 24 de abril de 2010

O si e o outro

      De alguma forma você está, hoje, em minha casa. Uma surpresa agradável, ainda que não tenha batido à porta ou pedido licença para entrar. Simplesmente estancou diante de mim e me fitou a analisar todos os centímetros que me compõem. Estava sujo, cabelo desarrumado, os olhos doentes, o que, mais triste, me chamou bastante a atenção, uma vez que não havia neles o brilho do qual me acostumara. O que te acontece, Jaílson? Seus olhos supurados, profundamente vermelhos, irradiavam um anseio em tornar voz aquilo que guardava dentro de si desde que nos conhecemos. Quer me dizer algo? Balbucios infantis saltam de sua boca e como gritos de uma alma oca chegam aos meus ouvidos - pertencentes a um corpo que se encontra no mesmo estado almático - sem, entretanto carregar em si qualquer sentido.
      Cale-se, meu caro e arranque logo esses olhos. Eles de alguma forma sempre me viciaram e vê-los assim, poluídos de mundo, me faz perceber a minha própria fraqueza e, até mesmo, enxergar a minha própria poluição. Que tipo de grito posso ouvir em sua voz? Um clamor, novamente, à Luzia em favor do desejo de que pare a secreção de mundo que escorre de seus olhos. São, de fato, gritos que ouço? Dói em mim a visão distorcida, a doença daquilo que me trazia relativa paz, pois neles podia - porque não dizer que ainda posso? - ver o reflexo de mim mesmo. Um esboço de sorriso se desenha em seu rosto, Jaílson. A que ponto se espelha em você esse eu mesmo?
      E já que você encontra-se em tal calamidade, neste momento você espelha qualquer loucura que habita em mim?

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