domingo, 10 de outubro de 2010

Sobre a percepção

de tudo que me rabisca sinuosas linhas sinápticas
a mais pulsante é a que faz com que perceba sua presença
apenas por isso meus olhos continuam fechados
para que assim sua ausência não seja notada.
viciados em luz, os olhos te tiram daqui.

vazio: tudo parecia ser tão em mim

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Poema escrito pelo amigo

segurou meu corpo junto ao seu
pediu que meus dedos nele desenhassem
com tinta vermelha de força
e minha boca marcasse território em suas curvas

meu sexo, entao, dilatava
Indicando
Pela ansiedade
De minhas mãos
A volúpia que sentia

O desejo animalesco se consome
Neste colchão agora
Possuídos
Pelo gozo

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Seis de setembro

Hoje, estas poucas e tortas linhas, desenhadas como um mistério impossível de ler, não significam nada senão um mero espelhamento daquele que possui o lápis.

Essa noite, o mundo despenca seu peso sobre esta mão direita que, por sua inabilidade ou estupidez, não entende a cadeia rítmica das sinapses.

Agora, o limite entre real e ficcional se estreita e o amigo torna-se um personagem desenhado por letras numa folha de papel.

Cabe a ele a próxima visita e a poesia. Te aguardo em uma próxima noite.

domingo, 5 de setembro de 2010

Uma batida na porta.
São três horas da manhã. Meu relógio biológico insiste pela dormência. Mas o cigarro está aceso e se eu caísse no sono agora, haveria o risco de enfiar esta merda em chamas que de tão altas consumiriam o pouco de memória que ainda me resta.

Uma batida na porta.
Não sinto as pontas dos meus dedos. Porventura trata-se de uma embriaguez? O copo ainda está pela metade. Não é oportuno deixá-lo na geladeira para apenas amanhã tomar o que sobrou.

Uma batida na porta.
Você retorna. Como de um fantasma que já se pensava haver sido exorcizado, seus olhos outra vez passam a me seguir neste quarto. A solidão já não é tão inerente.

Uma batida na porta.
Saúdo a sua presença novamente manifesta com um trago e um longo gole.

Sente-se, Jaílson. Ainda temos muito o que conversar.

A Baudelaire e Eliot

Destas linhas
traçadas primeiramente no papel
Restaram apenas uma projeção

(d)o real

Nesta tela que agora tu me lês.



De um hipócrita - semelhante - irmão

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Silêncio

    Antigamente, Jaílson, a escrita agia em mim como um impulso. Vem-me à memória a lembrança dos meus velhos lápis verdes que não duravam muito tempo. Primeiro porque eu tinha uma mania de mascá-los - o sabor amargo da madeira em minha boca parecia um néctar para mim. Segundo porque o ímpeto da escrita me era inerente, e, consequentemente, o grafite nunca fora o bastante para as ideias que pulsavam.
    Mas o fato é que meus dedos não possuem a mesma habilidade que a minha mão direita. Ou quem sabe as ideias, hoje, seguem o lento ritmo do trocar de passos de minhas pernas. Então hoje me limito apenas a essa longa conversa com você, sem que nela eu encontre qualquer fim. E ainda que essa seja a única forma de expressão poética que encontro em mim, noto, em toda a minha escolha lexical, um determinado vazio. Não sei, mas acho que o objetivo primeiro era dizer alguma coisa. Mas da minha boca nenhuma palavra considerável sai. A sua presença para mim deificada me induz ao silêncio quase maculado de minha alma. A ausência das palavras, penso que apenas isto me cabe. A língua seca impossibilitada de qualquer movimento que acentue a sua aridez. Apenas uma oca ausência sonora que lateja. Nesta noite, a poesia se silencia.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Impudicos

Na sua forma cilíndrica, me chamou a atenção por seu aspecto negro. Por sua vez, a outra, em sua brancura virginal me atiçava o raciocínio. Eu, por observá-los, divagava os mais impuros pensamentos interraciais, desejando que, entre os dois, o forte desejo que os atraía fosse tão logo consumido. Em minhas mãos, hoje, o lápis e a folha de papel copulam. Nascerá uma poesia.

sábado, 24 de abril de 2010

O si e o outro

      De alguma forma você está, hoje, em minha casa. Uma surpresa agradável, ainda que não tenha batido à porta ou pedido licença para entrar. Simplesmente estancou diante de mim e me fitou a analisar todos os centímetros que me compõem. Estava sujo, cabelo desarrumado, os olhos doentes, o que, mais triste, me chamou bastante a atenção, uma vez que não havia neles o brilho do qual me acostumara. O que te acontece, Jaílson? Seus olhos supurados, profundamente vermelhos, irradiavam um anseio em tornar voz aquilo que guardava dentro de si desde que nos conhecemos. Quer me dizer algo? Balbucios infantis saltam de sua boca e como gritos de uma alma oca chegam aos meus ouvidos - pertencentes a um corpo que se encontra no mesmo estado almático - sem, entretanto carregar em si qualquer sentido.
      Cale-se, meu caro e arranque logo esses olhos. Eles de alguma forma sempre me viciaram e vê-los assim, poluídos de mundo, me faz perceber a minha própria fraqueza e, até mesmo, enxergar a minha própria poluição. Que tipo de grito posso ouvir em sua voz? Um clamor, novamente, à Luzia em favor do desejo de que pare a secreção de mundo que escorre de seus olhos. São, de fato, gritos que ouço? Dói em mim a visão distorcida, a doença daquilo que me trazia relativa paz, pois neles podia - porque não dizer que ainda posso? - ver o reflexo de mim mesmo. Um esboço de sorriso se desenha em seu rosto, Jaílson. A que ponto se espelha em você esse eu mesmo?
      E já que você encontra-se em tal calamidade, neste momento você espelha qualquer loucura que habita em mim?

sábado, 10 de abril de 2010

Cegueira

De um canto os olhos espreitam
Vagueiam buscam não encontram,
Nesse silêncio de almas,
Uma.

Não acostumados com a escuridão
Perdem-se
Caminhos desalinhados
Que rumam ao infinito
De viagens já trilhadas por poetas.

Daqui miram o sol
Tal qual de Ícaro as asasDerretem-se as retinas
De forma gelatinosa

E que nas mãos de Luzia se curem
E ainda que fatigados enxerguem.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Ausência

       Já faz algum tempo que deu as costas e caminhou após desejar apenas boa noite. O cheiro e o calor do corpo se dissiparam e, desde então, imperou apenas um silêncio retumbante dentro destas paredes. Os olhos já não se encontraram mais e as palavras, que compunham a poética de uma conversa vazia, se isolaram em memórias. Instaura-se, agora, o jogo da presença/ausência tão percebido por uns pelo seu tom pastel, porém posto de lado por outros, que o ignoram por sua aparente palidez. Entretanto, nesse caso específico, o jogo pinta-se com riscas claras, próximas a um cinza, que se misturam a um fundo cor de vinho, permitindo uma baça embriaguez visual, reflexo, talvez, de um estado de espírito.
      Mas de qualquer forma, já faz algum tempo que deu as costas e caminhou após desejar apenas boa noite. Permaneço estático como aguardando a sua volta, ou quem sabe um ímpeto que propicie a minha ida. Para onde pouco é necessário saber, muito menos faria diferença. Mas o que importa, nesse momento, é o que se criou com essa ausência que agora se personifica em meu corpo: a solidão que se faz presente e que conforta exatamente pelo seu vazio. Soa contraditório, mas é real. O que ausencia, provoca, ao mesmo tempo, uma presença. Um desejo de boa noite, o cheiro, o calor do corpo. O silêncio, a solidão. Os primeiros se foram, os segundos chegaram.
     Já faz algum tempo que deu as costas e caminhou após desejar apenas boa noite. Terminarei  apenas de pintar esse quadro de riscas quase cinzas pintadas em um fundo vinho e que me deixam com essa esfumaçada embriaguez visual. Feito isso, finalmente terei a boa noite que me foi desejada.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Instante

Boa noite, me disse em sua voz suave, sem, contudo, deixar de indicar que estava ofegoso.
Nada pude fazer senão dizer a mesma coisa: Boa noite...
Depois tomou o caminho retilíneo rumo a sua casa, deixando atrás de si apenas o calor de seus passos por aquela calçada. Eu? Eu fiquei apenas cada vez mais afastado, observando-o atravessar pela porta e, aos poucos, vendo sua figura diminuir de tamanho conforme seus passos iam sendo trocados.
Meditei por um curto espaço de tempo toda aquela situação. Dois homens a dançar. Um cigarro aceso. Um quero-quero lá fora - e toda essa imagem não sai, agora, de minha cabeça. Eu ri, zombei da vida naquele instante. Mas devo dizer que foi tão somente naquele instante. Tudo ficou um silêncio oco logo após a sua partida. Ainda consigo sentir o seu calor em minha sala e, de alguma forma, me sinto acalentado por ele. "Você bem sabe como são as relações humanas. Uma breve conversa pode salvar uma vida", acho que foi isso que me disseram uma vez. Porém hoje não foi apenas uma curta conversa. Aliás, pouco conversamos, mas dançamos e fomos felizes por esse  sutil período.
Devo dizer que a sua presença, de fato, me embriaga e o oposto muito me diz. Foi o que pude perceber essa noite. Saiba que amanhã te procurarei novamente, nos mesmos lugares: em minha casa, em bares, em minha cabeça... e, quem sabe, teremos a chance de sermos felizes de novo, ainda que de novo por um breve espaço de tempo.

domingo, 14 de março de 2010

Querência

Acende o cigarro como se fosse um ritual.
Segura o isqueiro com a mão direita. O cigarro com a esquerda. Coloca em sua boca, saboreando qual doce. Primeira tentativa, o isqueiro não acende. Segunda, uma leve respiração vinda do nariz apaga a chama. Terceira, o brilho na ponta do cigarro e a fumaça em direção ao teto desenhando arabescos de traços sutis.
Uma tragada e o corpo se acalma. O olhar distante atenta para a janela. Observa no descampado em frente um quero-quero a dançar para proteger sua ninhada. Um sorriso no canto de seus lábios parece ironizar a cena que seus olhos vê. Entende que de seus olhos ao ninho há uma linha imaginária e que nas suas extremidades dois pontos que se opõem em um mesmo signo: a vida.
Outra tragada. Fecha os olhos. Um arrepio salpica em suas costas o caminho de sua coluna. O grito do quero-quero parece dizer algo. Um simples pio para ouvidos desprezíveis. E o cigarro aos poucos queima, criando obscuras formas de fumaça no ar. Ao longo da noite mais nenhuma tragada. Junto a isso, somente o olhar atento para o ninho e a percepção voltada para o desejo incessante de querer. Mas o quê, apenas um deles sabe.

terça-feira, 9 de março de 2010

Pela embriaguez

Sinto algo por aquele homem sentado
Não fala
Não anda
Não dorme
Mira, da janela de seu quarto, um espaço em branco
Que preenche sua alma cujo oco do próprio corpo percebe o vazio
Parece respirar pelos olhos
O corpo não mexe
O peito não arfa
Mas apenas seus olhos
Se mexem em direção qualquer
Como se escrevessem com movimentos rápidos da órbita ocular uma poesia
Sem rimas e de métrica errante
Sinto algo por aquele homem
Uma inveja por sua condição
Pela sua maneira de ver
Intocada por qualquer senso de real que impossibilitasse de enxergar

A folha

Eu vejo em minha frente uma folha de papel em branco. Intocada, pura, vestal. Ao meu lado, uma garrafa de vinho cheia: rubra, doce, barata. Há muito tempo que espero ter em minhas mãos uma folha assim, sem que a imundície da palavra cotidiana viesse entupir a alva tessitura desse papel santo com seus torpes significados. Eu consigo enxergar além das linhas ocultas dessa folha em branco. Sinto vontade de jogar milhões de palavras dentro dela, tentar redescobrir seus significados, criar novas, mas desde que ninguém lesse o que ficou escrito. Se isso acontecesse, tentariam entender. E quando entendessem - ou pensassem entender - ela seria nada além de arrotos de um poeta que, em sua embriaguez, compreendeu a vasta lucidez das palavras.
Essa taça de vinho pela metade.
Traçar rimas errantes. Parece bom. Confortável. Mas a folha em branco em minha frente, que já me irrita por sua palidez indesejada. O que me diz com sua claridade? Basta-lhe no mundo a sua própria altivez. Queria desvirginar-lhe com minha caneta impura que teima em se esfregar em seu corpo, manchando-lhe com esse sangue que é nosso, resultado de nossa cópula talvez por você indesejada, mas pela qual eu espero há longos anos, e que já não consigo esperar mais para que se consume.
E essa taça de vinho agora vazia, sorvida em um único gole e a folha agora manchada em tons vermelhos.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Realidade

Senti sua falta ontem a noite, Jaílson, quando saiu do bar sem falar nada. Foi como se um peso de realidade tivesse caído sobre mim. Ainda por cima aquelas pessoas me olhando dentro do bar, como se eu acabasse de cometer um crime. Acho que foi esse peso de realidade que me deu o insight de ontem. Senti minhas pupilas dilatando. Acredito que a realidade seja bem próxima da loucura, Jaílson. Olhe aqueles mendigos, ali na rua. Sujos, esfarrapados, eles percebem sua própria condição? E aquele ali... ele está conversando com quem Jaílson? Esse ser com quem ele conversa é real? Imaginário? E pra quem ele ocupa essa posição de real /imaginário? Pra mim? Pra você, Jaílson? Pra ele mesmo, esse mendigo?!

Já percebeu que os olhos desse homem são diferentes? Deve ter algo nos olhos dele que permita uma visão daquilo que ninguém pode ver. Os olhos dele não parecem com os olhos de um louco. Realidade? Que palavra pífia, não é mesmo, Jaílson? Não significa nada para o vocabulário dos loucos... nada para o vocabulário dos poetas... acho que já não significa nada nem para o meu vocabulário depois de ontem, aquele bando de gente podre me olhando, com suas pupilas acusadoras de quem se limita a acreditar em algo que sua mente produz. Não é contraditório isso, Jaílson? Eu aqui falando de realidade e questiono a crença alheia em coisas da mente... acredito que eu mesmo seja um pífio, meu caro... eu mesmo...

Deixe-me tomar um último gole. Acho que vou pra cama. Meus dedos estão formigando e minha cabeça meio bagunçada. Efeitos do peso de realidade! A noção de que se vive. Boa noite, meu caro amigo. Nos encontraremos novamente e muito em breve. Seja nesse bar, seja em outros lugares.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Conhaque

Felizes para sempre. É assim que deveriam terminar as histórias de amor, não é mesmo, Jaílson? Mas e aquele casal ali na outra mesa. Parecem felizes para você, amigo? Veja seus olhos, é como se carregassem neles todo o peso de uma morte a dois. Aos poucos esses enamorados se aleijam, pois tiram um do outro o que cada um tem de melhor pra si. Concentram suas forças para o bem individual alheio e, assim, bem devagar eles se cegam... cegam-se... e como consequência dessa bobagem se matam e matam-se. Feliz você, meu caro, que se esconde nos bares e mentes, Jaílson. Ainda não reconhece a carnificina cega do amor. É, bem que Drummond dizia que conhaque põe a gente comovida como o diabo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A primeira noite

E de todos os amigos que eu vi hoje, Jaílson, você era o que eu menos queria a presença. Pode parecer grosseiro de minha parte, confesso, mas é justamente a sua ausência que faz com que tudo seja diferente. Seu jeito calado de quem, de fato, sabe ouvir, Jaílson, intensifica o momento poético de um desabafo em que palavras são substituídas por sentimentos. 
É gostoso procurar por seus olhos e não os encontrar. Me faz bem, sabe?
Alguns desconfiam de sua índole, acho que por isso você se faz tão ausente as vezes. Mas eles não entendem que são elas, sua índole e sua ausência, que mexem comigo, que me fazem te procurar nos lugares mais obscuros: bares, cafeterias, pessoas, minha própria mente.  Sempre em um desses te encontro: cabeça baixa,  cigarro na boca,  copo de álcool já pela metade e em seus olhos um leve brilho causado pela ponta do cigarro aceso.
E esta noite, por outra vez percebo a sua ausência, meu caro amigo. Mas, devo dizer, fico feliz, pois novamente irei te procurar em todos esses lugares e sei que, sem dúvida, te encontrarei. Trocaremos algumas palavras. Eu, de novo, sei que falarei mais. Mas eu, acima de todos, saberei o peso da sua presença/ausência. Estou indo ao seu encontro.