quinta-feira, 29 de novembro de 2012

.


Após tanto tempo, finalmente abro-me para novas conversas com você, velho amigo, mesmo que, ainda timidamente, poucas palavras se esvaiam. Acredito que elas, parcamente pronunciadas, são a melhor expressão do silêncio nosso de cada dia. Para celebrarmos, proponho a leitura da "Antiodisseia". Diz o poeta:

o verso vazio
homérico
cadavérico
Ulisses retorna a Ítaca
com trajes de um bufão

Peço, de imediato, desculpas pela tagarelice de outrora e convido-lhe para o calar-se de hoje. Ofereço-te do pão. Ofereço-te do vinho. Comungue agora, junto a mim, nessa meditação insana em que ambos buscamos o nada.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Poema do amor pra sempre

A
d

I
n
f
i
n
i
t
u
m

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Cotidianos

I.
O pai fazia a mamadeira pela manhã, alimento para seu único rebento. Ritual sagrado: leite, pitada de açúcar e o amor transbordante.

II.
Das poucas lembranças advindas da infância, sobraram apenas meros espasmos da memória: o calor das mãos, o morno e alvo fluido que escorria pela garganta preenchendo o vazio que carregava em si, nalguma região do corpo que, na época, desconhecia qual era. Além disso, a falta que lhe perseguiu a vida inteira.

III.
Um diário riso forçado durante a entrega do leite. O alívio por não ter um filho para criar. O amor pela mulher do outro. O gozo de todos os dias.

IV.
Ponte. Queda. Caos.

V.
Durante a noite de ontem, por volta das três horas da tarde, os motoristas da cidade e região enfrentaram um longo congestionamento que durou por algumas horas. Isso se deu devido à L.G.F., 30 anos, que sofreu uma queda de mais de vinte metros de um dos viadutos da zona central, vindo a falecer no local. De acordo com a polícia, a mulher e seu marido tinham um filho com cerca de dois anos de idade. Ao questionar a família  acerca do ocorrido, parentes próximos afirmaram que o casal vivia uma vida tranquila e feliz, embora nos últimos dias G.H.F., 41 anos e pai da criança, tenha recebido mensagens em seu aparelho telefônico questionando sua real paternidade. Os investigadores buscam saber se houve participação do homem na morte da esposa.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Ecos


Voz que ouço
Está
Cá dentro

Seu eu
ecos
de mim
Self. Me.

O vinho, o rum.
Shakespeares, Drummonds, Bandeiras, Pessoas.
E tua voz, Jaílson, a sussurrar.

E eu, surdo que sou,
Não nos reconheço.

domingo, 24 de junho de 2012

Reconhecer-se


Escrevia sobre deuses, homens
o nada, o vazio
meu corpo
e poesia.

De fato, fingia
meu corpo
o nada, esse vazio
deuses e homens.
Por certo, até por vezes, eu era o deus.

À minha imagem e própria semelhança,
Nomeava coisas, dava formas.
Caçava em ritmos e sons de minha onipresença,
o adágio que compunha as rimas.

Meus versos não eram meus,
mas delírios traçados
que mapeavam minhas sinapses
pelas mãos criadoras, possuidoras da pena,
manuseando-a qual chicote amansando fera.

Escrevo para mais um pouco.
Sobrevida do eu.
Nessa experiência, traduzo-me a mim
em letras mal desenhadas
E por (e em) este transe que me encontro
Finjo sentir, o que deveras sinto.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Pecado

A desmetáfora do cotidiano
aleija
tanto membros,
quanto a percepção.
Ali a pedra. Mera pedra.
Imutável.
Estática.
Suja.
Que perdoe, Drummond, esse pecado.
Neruda também, por sua cebola.
Os olhos não se acostumaram com tanta luz.

domingo, 6 de maio de 2012

Id

Tanto falo em primeira pessoa,
mas do sujeito pouco me revelo.
Apenas por isso atento
ao olhar de poeta refletido no espelho.

Nele, minha face
e a mão quente que me afaga em vidro frio.
Tateio a mim, sem me tocar.
Meu outro gélido.
Baço.
Falso.

Nessa antítese que me compõe,
paradoxalmente me desfaço.
E em opacidade refletida,
reconheço tão somente o corpo.

Meu real, carne quente que aprisiona
o próprio eu.
Eu.
Cruamente, eu...

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Rosa


Debrucei-me sobre uma roseira,
tomando às mãos um de seus botões.
Como menino atrevido, despi-lhe pétala por pétala
desfigurando sua forma,
esculpindo outra.


Pressionando entre meus dedos,
Sangrei-a.
Sangrou-me.
Desencantamos

Inebriado por seu aroma,
Contemplo seu corpo nu, despetalado

Rosa singular;
Não como a do príncipe.
Tampouco a dos sonhos.
Uma mulher com seu amante.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

O vazio

Aqui, nesse espaço oco
cheio de mim, completo-me.
A alma, pesada pelo nada,
encontra-me no espelho.
Reflito-me
Cogito-me
Existo-me
Sou.

domingo, 8 de abril de 2012

O Processo


Metaforicamente
Traça
retira-me a forma,
o pragmatismo em ver.

Melancolicamente
Anula
atrofia-me as mãos,
risco de não escrever.

Metafisicamente
Mutila
desconstrói-me o corpo,
a Antropofagia dos seres


E Kafka ainda continuará a não significar nada às baratas.

domingo, 25 de março de 2012

Sobre nossas conversas

De todas as coisas que conversamos ao longo desse período, Jaílson, talvez nem tudo faça sentido ou, quem sabe, seja adequado. Mas devo dizer: me completa. Não por inteiro. Mas completa.

Tão somente por isso passo horas com parcas linhas escritas no imediatismo, um labor sem técnica, tamanho o desejo de simplesmente sentir a mim, a outra parte, aquela que anseio e, assim, que me permita sentir-me completo. Ou falsamente completo, como creio.

Mas o que se espera de um interlocutor em silêncio, senão o vazio? Como querer completude, se a mim próprio tenho a outra parte como oca, como a imagem de ti, ou de mim, ainda não sei, mas vazia de qualquer modo, sob qualquer ordem, incompleta de qualquer maneira.

Vaguidão
Presença do nada
Ausência do tudo
Completude
Incompleta
E esse seu riso endiabrado.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Metamorfose

Ser dois, mais.
Simbionte, mutante
Desdobrar-se entre linhas
Sinuosas
                                            de soslaio
                              subtrair-se
              modificar
Não um
Dois
Mais

Simbiótico, genético
Entre retas
contínuo
Desigual
                                                momentaneamente
                                 somar-se
                      manter
Ser todos, ou
ninguém.

Nada mais

terça-feira, 6 de março de 2012

Nenhum ou cem mil

            Há sob minha pele tantas outras, caro amigo. Levemente dói quando resolvem descamar, dando-me um tom avermelhado, depois levemente claro, deixando-me, por fim, plenamente pálido. Tantos rostos sobrepostos pelo meu que agora já desconheço o primeiro. Torno-me os demais. Não por gosto próprio, devo dizer, mas reflexo de quem olha ao espelho, absorvendo - e olhando - não a imagem de si, mas daquele que vê e dos transeuntes ora refletidos.
          Unifico-me em vários, desdobro-me em um. Uno. Trino. Um deus entre mortais que, por sua condição divina, vagueia silenciosamente sem reconhecimento, seja pelo olhar alheio ou pelo desapego de si.
          E esta face agora a desconfigurar-se. Este rosto que se perde traçando linhas, mapeamentos, fronteiras.
       Um pedaço cai-me sobre as mãos e vejo-me, novamente, transmutado. Já não mais o que iniciou a conversa. Tampouco posso te ver da mesma forma. Não mais eu e tu. Ou o ou eu que falava de ti. Nós! Tu em mim. Eu em ti.
          Há tempos que não nos víamos. Outro pedaço de face. Pálido. Perco-me.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Áridas

A T. S. Eliot


Estacionei no tempo e em costumes.
Acomodei-me, cotidianizando a mim.
A mão pesa nesse instante, como a tirar das palavras que desenho a sua volúpia, paixão ou outro substantivo abstrato que o valha.
Áridas palavras.

Ausência.

A velhice dos olhos, sem doçura, frígida, uma vez que enevoados estão.
Tal como diz o poeta me sinto, mas se vivo ou morto não sei.
Ainda assim dobro meus joelhos, colho os jacintos e afago teus úmidos cabelos.

Perplexa e silenciosa, hoje a poesia não me completa.