domingo, 14 de março de 2010

Querência

Acende o cigarro como se fosse um ritual.
Segura o isqueiro com a mão direita. O cigarro com a esquerda. Coloca em sua boca, saboreando qual doce. Primeira tentativa, o isqueiro não acende. Segunda, uma leve respiração vinda do nariz apaga a chama. Terceira, o brilho na ponta do cigarro e a fumaça em direção ao teto desenhando arabescos de traços sutis.
Uma tragada e o corpo se acalma. O olhar distante atenta para a janela. Observa no descampado em frente um quero-quero a dançar para proteger sua ninhada. Um sorriso no canto de seus lábios parece ironizar a cena que seus olhos vê. Entende que de seus olhos ao ninho há uma linha imaginária e que nas suas extremidades dois pontos que se opõem em um mesmo signo: a vida.
Outra tragada. Fecha os olhos. Um arrepio salpica em suas costas o caminho de sua coluna. O grito do quero-quero parece dizer algo. Um simples pio para ouvidos desprezíveis. E o cigarro aos poucos queima, criando obscuras formas de fumaça no ar. Ao longo da noite mais nenhuma tragada. Junto a isso, somente o olhar atento para o ninho e a percepção voltada para o desejo incessante de querer. Mas o quê, apenas um deles sabe.

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